Selkie Ferida
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Sobre a História: Selkie Ferida é um Mito de united-kingdom ambientado no Século XIX. Este conto Dramático explora temas de Redenção e é adequado para Adultos. Oferece Moral perspectivas. Um conto de vingança e graça nas costas selvagens da Escócia.
Introdução
Na luz acinzentada da aurora, o Mar do Norte apertava a costa como um amante ciumento. Eilidh avançava pela areia molhada, o coração martelando com uma fria fúria. A brisa tinha gosto de sal e de dor. Ela havia roubado a pele de foca da criatura que embalava suas noites sem sono com suaves canções de ninar sob as ondas. Agora, esse dom de vida repousava em seu punho trêmulo.
Ela ouviu as gaivotas discutindo lá em cima e sentiu a areia grossa pressionar-se contra suas botas. Um sabor metálico de medo pairava-lhe na garganta. “Ora essa”, pensou ela ao vê-lo pousar: um ser de sal e espuma ousaria segui-la em terra firme?
Um respingo ecoou atrás dela. Uma forma escura emergiu, com algas enredadas como cabelos selvagens. Os olhos da mulher-foca brilhavam em negro-carvão, contornados pela dor. As costelas delicadas erguendo-se e abaixando-se como um navio à mercê da tempestade. O fôlego de Eilidh falhou quando a voz da criatura, suave como um fio de prata, sussurrou perdão no ritmo das ondas.
O vento uivava pelo madeiro à deriva, estalando conchas partidas. Consciente da culpa e consumida pela ira, ela sentiu lâminas gêmeas rasgarem seu peito. O lamento da mulher-foca era cru, uma melodia marcada por correntes profundas e antigos sofrimentos. O ar tinha gosto de salmoura e de espuma flor de sal — uma angústia entranhada nos ossos.
Acima das duas, nuvens corriam como cães frenéticos no céu pálido. Ainda assim, em meio àquele turbilhão, Eilidh ouviu seu próprio coração estilhaçar-se e se abrir. Ela não desviaria o olhar. Não podia. O perdão talvez fosse tão frágil quanto vidro soprado, mas ela sentia seu brilho entre as sombras do ódio.
Exílio da Mulher-Foca
Há muito tempo, num vilarejo agarrado aos penhascos de Caithness, um pescador chamado Alastair perdera o coração para uma mulher-foca. A pele dela ficava escondida em seu chalé, dobrada sobre um baú esculpido com motivos de algas. Todas as noites, ela surgia do mar e se aproximava da lareira, seu riso lembrando água dourada deslizando por paralelepípedos. Ele venerava seu calor, mas o ciúme fincava-se na mente dele como um espinho.
Numa manhã enevoada, Alastair acordou e a encontrou partida, deixando a pele de foca debaixo de seu travesseiro. Vestiu-se às pressas — um trovão ribombou mar adentro — e correu até a praia com a boca seca como madeira flutuante. A maré havia apagado seus rastros, restando apenas conchas trêmulas e pedras beijadas pela espuma. Um eco distante, uma promessa quebrada. Ele vasculhou as rochas cobertas de cracas, o ar denso de umidade e dos gritos longínquos das gaivotas. Aos seus pés, algas espalhavam-se como cabelos lúgubres. O cheiro de sal e dos taninos fortes da madeira levada pelas ondas impregnava seus sentidos.
Tomado pelo pavor, perambulou pela costa, chamando seu nome até o cair da noite. O medo corroía-o por dentro. “Por Júpiter”, resmungou, amaldiçoando sua tolice. Roubara a liberdade dela e, ao fazê-lo, matara a gentileza em seus olhos. Nenhum tilintar de redes ou estalar da lenha na lareira aproveitava-lhe o coração machucado.
Quando enfim se voltou para o mar aberto, o horizonte negro parecia infinito. A água refletia a luz que se esvaía como um espelho estilhaçado. As ondas rugiam como dragões ancestrais, e na espuma dele viu o olhar carregado de tristeza dela. Um vento gélido roçou seu pescoço, trazendo boatos de maldições e traições. Sussurrou que exilados do coração devem encontrar seu próprio caminho de volta — ou ficar perdidos para sempre.

Corações Partidos e Votos
Meses passaram como blocos de gelo à deriva. Alastair era assombrado pela própria solidão, ansioso pelo toque suave que traiu. A cada amanhecer, lançava as redes que voltavam sempre vazias. Seu coração disparava a cada grito de gaivota, e a bruma salgada queimava suas faces já marcadas pelo vento. O cheiro de lã úmida no casaco grudava tanto quanto a culpa.
Numa noite densa de neblina, ele avistou uma figura num rochedo distante — a mulher-foca, com olhos reluzentes como pérolas negras. Ela o convidou a aproximar-se. As ondas molhavam-lhe as botas até os joelhos. Ele avançou com cuidado, as pedras lisas sob os pés. Um sino tocou ao longe, vindo da capela no alto dos penhascos.
“Não posso perdoar o que fizeste”, murmurou ela, a voz frágil, mas firme. “Mas também não te condeno à noite eterna.” Lágrimas deslizaram pelas bochechas dela como contas de prata, dissipando-se na espuma. Ela levou a mão a um ferimento no ombro, onde a lâmina de Alastair a atingira quando tentava recuperar a pele de foca. A carne ainda estava crua, com costuras de algas a mantê-la unida.
Ele ajoelhou-se, arrancando um fio de alga dos cabelos dela, úmido e vivo. “Peço teu perdão”, sussurrou, “e rogo tua misericórdia.” Cada sílaba era um frágil presente, um barco à deriva em mar revolto. A brisa salgada trazia a promessa de um novo amanhecer. Ela o encarou com compaixão feroz, como as profundezas do oceano acolhem um raio de luar.
A lua cintilava sobre o mar, transformando cada onda em prata líquida. Ela estendeu a mão para a pele de foca presa à cintura dele, os dedos trêmulos. “Promete que jamais aprisionarás a liberdade de outro”, disse. Ele jurou sobre sua honra, sobre os antepassados, sobre o próprio sopro do mar. Naquele instante, ódio e vingança escorreram como a maré que recua. Uma paz instável tremulou entre eles como vela ao vento.

A Maré da Vingança
Rumores sobre o retorno da mulher-foca espalharam-se pela vila feito um incêndio. Uns viam bênção, outros sentiam desconfiança. O velho Angus, o ferreiro, cuspiu: “Não quero feitiçaria por aqui.” Seu martelo soou no bigorna, faíscas voando como vaga-lumes irritados. O cheiro do metal em brasa misturava-se à fumaça de turfa.
Alastair saboreou o silêncio nos ossos e guiou a mulher-foca até sua modesta casa. Tratou o ferimento no ombro dela com um tônico de algas e urtigas. A pomada cheirava a sal e a ervas amargas. Todas as noites, ela dormia envolta em mantas de lã grossa, o tecido rude contrastando com sua pele macia.
Mas nem todos acreditavam na redenção. Numa noite sem lua, um grupo de pescadores invadiu as dunas e avançou até o chalé. Levavam tochas e malícia, cantando em tom gutural. O rugido do mar parecia um lamento de gigante quando ergueram fogo na porta. O cheiro da palha queimando era acre e violento.
Alastair saltou da cama, o coração retumbando. Abrindo as janelas, posicionou-se entre a turba e a mulher-foca. “Para!” bradou, a voz rasgando a escuridão. A luz da lamparina iluminou-lhe o rosto decidido, metade claro, metade sombra. Os homens hesitaram, e ela ergueu-se, a pele de foca a envolver-lhe o corpo como um manto de fogo branco.
Erguendo o queixo, olhos vivos de poder e melancolia, ela disse: “Não busco vingança, mas defenderei meu lugar nesta terra.” As ondas se espatifavam contra as rochas, soando como tambores de guerra. Naquele segundo intenso, o ódio recuou diante de sua dignidade.
As tochas brilharam, projetando padrões trêmulos nas paredes, até que os homens fugiram pelas dunas com os primeiros sinais do amanhecer. Alastair guiou a mão trêmula dela até o peito. “Ao menos por agora, estás segura”, prometeu. Por cima deles, as gaivotas clamavam ao céu, saudando o alvorecer.

Perdão sob o Brilho do Luar
Depois do incêndio, a notícia do ato de coragem de Alastair espalhou-se. Alguns aldeões ajudaram a reconstruir o chalé, forjando uma trégua delicada entre os habitantes da terra e os da foz do mar. As noites tornaram-se calmas, e, sob luas minguantes, o riso voltou a ecoar. O cheiro da turfa queimando esgueirava-se pelas janelas de madeira, acolhedor como o xale de uma mãe.
Numa noite prateada, ela levou-o até a beira d’água. A lua repousava rente ao horizonte, dominando o céu como um olho amigo. As ondas cintilavam nos cabelos dela enquanto mergulhava nos arredores rasos. Alastair seguiu-a até que a água lhe chegasse à cintura. Respirou o frio fresco e sentiu a renovação invadir-lhe o ser.
“Ficarás ao meu lado?” perguntou ele, a voz rouca como madeira molhada, carregada de esperança.
Ela hesitou, a água ondulando em torno dos tornozelos, e sorriu levemente. “Não posso viver em dois mundos ao mesmo tempo”, disse. “Mas sempre que a lua crescer e minguar, e a maré subir e descer, retornarei.” Suas palavras traziam o peso de promessas mais antigas que as pedras.
Ele pousou a pele de foca aos pés dela. Macia, ela brilhou sob o luar. Ela envolveu-se com ela, e transformou-se: a pele tornou-se pelagem, os membros moldaram-se até formar aquela figura de mulher e foca.
O som de sua partida foi como chuva suave no telhado. Alastair ficou ali, inalando o sal marinho e o eco distante das ondas. O perdão abrira canais mais profundos que qualquer recife, e o entendimento corria mais forte do que o ódio.
Ele se voltou para o interior, guiado pelo brilho suave da lareira reacesa. Atrás dele, o mar cantava uma canção de aceitação. E embora ela desaparecesse com a aurora, a lembrança de sua visita ardiam dentro dele como brasas que se recusam a apagar.

Conclusão
Os anos passaram como marés, mas a cada lua cheia o coração de Alastair se enchia de esperança. Os aldeões falavam de uma mulher-foca que às vezes caminhava entre eles, curando feridas e unindo corações. O velho ferreiro Angus murmurava: “Ora essa”, antes de apertar a mão da visitante do mar.
Alastair cuidou de suas redes até que seus cabelos tornaram-se prateados, sonhando com abraços salgados e risos de espuma. Aprendera que a vingança é uma rede que prende também quem a lança. O perdão, por sua vez, é um barco leve, capaz de levar ao longe tanto a dor quanto a alegria.
E mesmo que as visitas da mulher-foca fossem breves, a presença dela pairava em cada sussurro de onda e em cada reflexo de luar sobre a água. Seu laço tornou-se lenda, um conto de como feridas tratadas e perdoadas podem unir em vez de separar. Naqueles recantos sombrios, o ódio não encontrava abrigo, e a compaixão reinava soberana sobre a espuma e a rocha.
Quando você percorrer as costas marcadas pela fúria das tempestades do norte, ouça as canções de ninar trazidas pelo vento. Talvez vislumbre a silhueta de uma mulher-foca ao amanhecer, ou ouça sua melodia nos chamados das gaivotas. Saiba, então, que até as feridas mais profundas podem ser curadas pelo sal do entendimento, e que corações partidas podem ser restaurados pelo toque suave da misericórdia.